Ha Giang, quase na fronteira com a China, é um dos últimos lugares intocados do Vietnã. Veja como explorar a região num roteiro de moto de 4 dias.

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Eu e minha “possante”

Eu demorei muito pra escrever sobre Ha Giang, um pouco porque a intensidade do que eu vivi lá foi tanta eu duvidava que conseguisse descrever. Ainda duvido, porque viagens são experiências muito particulares, mas independente do momento em que eu estava, das pessoas que eu conheci no caminho e os desafios que eu enfrentei, o fato é que Ha Giang é uma das últimas frações ainda pouco exploradas pelo turismo no Vietnã.

É sempre emocionante encontrar lugares assim. Na estrada, a gente brincava de contar quantos “farang” (gringo em tailandês) encontrava (foram 10 no máximo). Pra conversar, tivemos que decorar algumas palavras básicas em vietnamita (hai = dois, cam on = obrigada, com = arroz, xe may = oficina mecânica) ou usar o app do Goodle tradutor, porque pela primeira vez no Sudeste Asiático eu cheguei num lugar onde quase ninguém se comunicava em inglês. (Quase) sem tours, sem lojinhas de souvenirs, sem comida ocidental (não aguentava mais ver pho, a sopa de noodles nele, na minha frente no fim da viagem), sem música americana.

A relação dos locais com os turistas ali é muito diferente do que no resto do país. Enquanto em Hoi An e Ho Chi Minh o assédio é enorme e os vietnamitas podem ser meio arredios, ali eles te olham com curiosidade, sorriem, pedem pra tirar foto, acenam na rua e oferecem insistentemente um gole do destilado de arroz local.

Todas as fotos desse post são minhas.

Eu fui durante o inverno, que não é a época ideal pra viajar pelo norte do Vietnã por causa do frio, da umidez e da neblina. Você vai ver nas fotos que a vegetação estava um pouco opaca, a não ser pelas florzinhas amarelas de trigo-sarraceno. O clima pouco amistoso tornou meu rolê ainda mais desafiador: dirigir uma scooter (coisa que eu só tinha feito uma vez na vida, umas duas semanas antes, no Laos) sem vergonha que quebrava uma vez a cada dois dias, calçando uma sandália tipo papete com meia (eu tinha perdido meus tênis antes de chegar no Vietnã), com casacos e luvas e calças que eu ia comprando numas lojinhas que apareciam na estrada a medida que o frio ia apertando. Debaixo de garoa, ultrapassando caminhões que apareciam do nada em estrada íngremes e estreitas.

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Em Ha Giang eu me senti como nunca numa viagem, saindo da minha zona de conforto e entrando em contato com o inóspito em prol de uma sede de entender como era aquela região do mundo antes de ela abrir as pernas para o turismo. Em Ha Giang eu ri, chorei, me maravilhei, me frustei. Me senti longe de casa como nunca tinha sentido, de ampliar o mapa no celular e não acreditar na minha localização. Em Ha Giang eu entendi o que viajar significa pra mim. Sigo buscando, ainda sem sucesso, uma experiência parecida.

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Pra começar, o que tem em Ha Giang?

O norte do Vietnã é dominado por mostranhas de rocha calcária monstruosas, terraços de plantações de arroz, vales com rios esverdeados, e pequenos vilarejos com pessoas do grupo étnico hmong predominantemente. O destino mais conhecido da região é Sapa, que já recebe mochileiros em peso há pelo menos duas décadas. Ha Giang fica a 300 km de Sapa e é infinitamente mais remoto e isolado do turismo, mas a melhora nas estradas da região nos últimos tempos tem trazido mais gente pra lá. Perto dos vilarejos, búfalos, galinhas e porcos atravessam a rua sem cerimônia e pessoas usando roupas típicas colhem grãos nas encostas.

Qual a melhor época pra ir a Ha Giang?

Para ver os terraços de arroz beeem amarelinhos (diferente do que estão nas fotos deste post), vá entre agosto e a primeira quinzena de outubro.  Entre fevereiro e maio o tempo é estável e os campos estão superfloridos.

Como fazer o Ha Giang motorbike loop?

A começar, tem muitos trajetos de moto que dá pra fazer no norte do Vietnã. Aqui eu falar do roteiro básico de Ha Giang, pra fazer em 4 dias, começando e terminando em Ha Giang. A ideia é ir de ônibus  (noturno, 8 horas de viagem) de Hanoi até Há Giang e lá alugar uma moto. Eu fui de moto de Hanoi até Há Giang, fazendo o looping ao contrário, mas não recomento. A estrada pra sair de Hanoi é bem perigosa e o caminho é monótono, e precisa ser quebrado em várias partes porque a viagem é longa.

E por que de moto? E se eu não quiser ir de moto?

É supercomum viajar de moto no Vietnã – o que não significa que seja prudente, porque muitos turistas se acidentam. Mas usando capacete e indo devagarzinho (o que a maioria das pessoas não faz), você minimiza os riscos. Eu nunca tinha viajado de moto antes de chegar na Ásia, e não achei que eu o faria até perceber que é o principal meio de locomoção lá e que seria essencial pra eu ter uma experiência independente. Quando eu digo moto, eu me refiro a uma scooter, aquelas motinhos automáticas que você aprender a dirigir em dois minutos. Tem gente que aluga motos semiautomáticas ou regulares mesmo, mas aí tem que aprender a mudar de marcha e eu achei que era muito pra minha cabeça. Tive medo diversas vezes, mas voltei encantada. Não tem nada nessa vida como viajar de moto, você se sente dentro da paisagem de um jeito inexplicável.

Se você não quiser andar de moto, você pode alugar um carro em Hanoi e ir até Há Giang dirigindo (quebre a viagem em dois dormindo no caminho) e fazer o loop e carro (mas às vezes é difícil conseguir alugar carro no Vietnã, porque eles costumam pedir carteira de motorista local). Ônibus não fazem todos os trechos do loop, então a outra opção é contratar tours guiados com motoristas com empresas como a Freewhelin Tours.

O que se come no Ha Giang Motorbike Loop?

É difícil encontrar comida ocidental por essas bandas. Alguns hotéis têm pão e ovo de café da manhã, mas a maioria não. Eu tomava o típico “Cà phê sua dá” de manhã (café com leite condensado) e comprava mexericas na feiras pra deixa na bolsa. De almoço e jantar era basicamente sempre “pho” (sopa de noodles) e “com” (arroz com verduras e carnes não identificadas). Também é fácil de achar banh my, uma baguete recheada com verduras em frango, às vezes uma espécie de kebab. Na cidade de Ha Giang também tem alguns restaurantes que vendem cozidos com peixe bem gostosos.

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O que levar pro Ha Giang Motorbike Loop?

Independente do clima, andar de moto dá frio e você estará mais protegido se encapotando bem. Então jaqueta, botas ou tênis, luvas e calças grossas são o ideal – e te deixam mais seguro em caso de acidente também. Dá pra comprar tudo isso em Hanoi e até em Ha Giang por bem baratinho, então não se preocupe. Nos vilarejos do loop tem um monte de oficinas mecânicas caso a moto quebre, caixas eletrônicos caso seu dinheiro acabe (nenhum lugar passa cartão) e restaurantes para as refeições. Você deve deixar sua mala grande no hotel em Ha Giang e levar uma mochilinha só com o essencial durante a viagem. Nas lojas de aluguel de moto você pode conseguir cordas pra amarrar a bagagem na moto, mas não pode ser muita coisa porque não tem muito espaço e o peso pode te desequilibrar.

Onde dormir no Ha Giang Motorbike Loop?

Surpreendentemente, tem uma porção de hoteizinhos bem aceitáveis nos vilarejos do loop. Quartos duplos confortáveis com wi-fi custam em média US$ 11 a diária (250 000 dong). Eu deixa secador de cabelo escrito no Google tradutor pra pedir e todos os hotéis tinham.

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Como chegar a Ha Giang?

Pra fazer o loop, você deve ir até a cidade de Ha Giang. São 8 horas de ônibus de Hanoi até lá. Você pode pegar o ônibus diurno, chegar em Ha Giang de noite, dormir lá e começar o loop no dia seguinte. Ou então pegar o noturno, passar o dia seguinte descansando no hotel em Ha Giang e planejando a viagem, dormir uma noite e aí começar o loop no dia seguinte. Os ônibus no Vietnã são muito confortáveis e a maioria tem cama.

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O ponto de encontro para quem vai fazer a rota é o Bong Hostel, que tem um bom restaurante (com comida ocidental) e também organiza grupos guiados – se você não se sentir seguro ou estiver viajando sozinho e queira encontrar companheiros, pode ser uma boa embarcar num desses. Eles também alugam motos e capacetes e dão dicas sobre a estrada.

IMPORTANTE PARA A ROTA: Eu comprei um chip no Vietnã, mas o 3G não funcionou em quase nenhuma parte da rota. Por isso, é imprescindível baixar o app Maps.me, que funciona offline. Usamos ele na rota inteirinha e deu supercerto. Só precisa de wi-fi pra baixar o mapa do país e pronto.

*A saber: não precisa reservar com antecedência nada nessa rota, nem os hotéis. É só chegar.

ROTEIRO PARA O HA GIANG MOTORBIKE LOOP DE 4 DIAS:

Dia 1: Ha Giang – Tam Son (Quan Ba) – Yen Minh – 100 km

Coloque “núi Cô Tiên Qua Ba“, no Maps.me ou no Google Maps. Você vai seguir por lindos vales até entrar no Dong Van Karst Plateau Geo-Park, que engloba toda área e é considerado patrimônio da UNESCO. O núi Cô Tiên é essa vista aí embaixo, com essas duas montanhas chamadas de montanhas gêmeas. De novo, essa foto é no inverno, em algumas épocas do ano o panorama fica amarelo, vermelho, laranja. Lindo demais. No vilarejo ao lado, chamado Tam Son, tem alguns cafés e restaurantes onde você pode almoçar e fazer uma pausa.

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Coloque então Yen Minh no GPS e continue dirigindo em direção ao vale do rio Mien – a estrada cruza o rio em certo ponto. Vista incríveis vão aparecer em trechos da estrada o tempo todo, você pode parar pra tirar fotos e sentar pra ficar contemplando as montanhas. Aí pare em Yen Minh para pernoitar. Minha rotina era basicamente chegar na cidade, procurar um hotel (o Thao Nguyen Hotel de Yen Minh é bem ok), tomar um banho, sair pra jantar. Dirigir por essas estradinhas sinuosas cheias de subidas e descidas é bem cansativo, porque tem que ir devagar e prestar atenção. Então mesmo que a quilometragem pareça baixa, é suficiente para um dia, pode ter certeza.

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Dia 2: Yen Minh – Dong Van – Ma Pi Leng Pass – Meo Vac – 95 km

O trecho até Dong Van é possivelmente um dos mais cênicos da rota. A estrada atravessar picos gigantes de pedra calcária entre vales profundos. Uma paisagem muito doida.

Você vai ver camponeses da etnia hmong colhendo grãos das escarpas com roupas típicas, por vezes parando para descansar e admirar a paisagem. Coloque no GPS Dinh Vua Mèo Hmong King Palace para ver esse antigo palácio de um rei hmong, e depois pare no vilarejo de Dong Van para almoçar (tem uma porção de restaurantes e um mercado grande nos fins de semana).

O trecho até Meo Vac é incrível. Coloque Ma Pi Leng Pass no Google Maps para tirar essa foto com as estradas recortando as montanhas de forma inacreditável. A estrada é tão bonita que dá vontade de parar a cada cinco minutos para curtir o visual. Um amigo que me acompanhava levava um violão na garupa da moto e musicava esses momentos. Pare para o pernoite em Meo Vac, um vilarejo poeirento que parece dos tempos soviéticos. No mercado dá pra encontrar baguetes com ovo pra comer ali de manhã. O Nhà Nghỉ Hoàng Anh é um hotelzinho bem aceitável.

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Dia 3: Meo Vac – Bao Lac – 75km

Coloque Bao Lac no GPS e siga pela estrada QL4C. Ela acompanha o rio Gam em grande parte do tempo, passando por um vale lindo. Bao Lac foi meu vilarejo preferido da rota, talvez pela ausência quase total de outros turistas. O dia estava ensolarado e saímos pelas ruas para fotografar. Uma velhinha me convidou pra tomar chá na casa dela, uns meninos pra jogar vídeo game. Senti mais do que nunca vontade de falar vietnamita, não poder se comunicar é muito frustrante. Que contariam aquelas pessoas que vivem ali num lugar tão remoto?

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Ficamos no hotel Khách san Phuong Linh, ótimo, com quartos grandes, chuveiro bem quente e vista para o rio.

Dia 4: Retorno a Ha Giang – 125 km

Curta a volta pela cênica estrada QL34.

ha-giang-vietna (24)Se você estiver numa viagem longa e quiser ampliar o roteiro pela região, tem dezenas de coisas para ver. Você pode ir dali para Sapa por exemplo, e aí fazer o Sapa – Sin Ho Cenic Loop ou então de Bao Lac ir até o Babe National Park e depois à cachoeira Ban Gioc. Este site tem dezenas de roteiros de moto pelo país bem explicados.

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